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A Festa do Divino tem sua origem em Portugal e foi estabelecida pela rainha Dª Isabel, casada com o Rei D. Diniz, por volta das primeiras décadas do século XIV. O Imperador do Divino gozava de direitos próprios de um soberano, libertando presos comuns em certas localidades portuguesas e brasileiras.
Para a organização da festividade havia a Folia do Divino, grupo de pessoas pedindo e recebendo auxílios de toda espécie. A folia constituía-se de músicos e cantores com a Bandeira do Divino, ilustrada com a pomba simbólica. Essas Folias percorriam grandes regiões, gastando semanas ou meses inteiros.
Em Rondônia, a Festa do Divino tem expressividade no Vale do Guaporé, onde a população ribeirinha procura manter viva a tradição do festejo. O Culto ao Divino foi introduzido no Guaporé, por volta de 1894, pelo Senhor Manoel Fernandes Coelho, quando de sua mudança de Vila Bela da Santíssima Trindade do Estado do Mato Grosso para a localidade de Ilhas das Flores. Naquele ano, o Senhor Manoel Fernandes fez vir, de Vila Bela, a Coroa de Prata e juntamente com outros adeptos, realizou os festejos do Divino naquela localidade. Todos os posteriores até o ano de 1932, o Divino foi festejado naquele local sendo então, os festejos transferidos para Rolim de Moura.
Atualmente a Festa vêm se realizando em sistema de rodízio, atingindo mais de trinta localidades dos Rios Guaporé e Mamoré tanto do lado brasileiro como do lado boliviano, sendo portando uma festa religiosa binacional. As localidades de Pedras Negras, Limoeiro, Costa Marques, Príncipe da Beira, Pimenteiras, Rolim de Moura, Guajará Mirim, Guayara, Buena Vista, Curralinho e Santa Fé, são algumas das tantas comunidades que festejam o Divino. O registro mais antigo sobre a realização dos festejos, data de 1936 e o Estatuto de criação da Irmandade do Divino Espírito Santo, no Guaporé, data de 1934. No entanto antigos moradores e descendentes dos primeiros organizadores dos festejos, afirmam que havia Ata da festa datada do século 19, em folha avulsa que foi extraviada durante período de sua paralização. Esse período ninguém soube precisar. Afirmam alguns que ocorreu após um desentendimento entre os membros da Irmandade, cujo Presidente guardião da Coroa, na época, descontentando-se, entregou à Prelazia de Guajará Mirim.
D. Francisco Xavier Rey, Bispo de Guajará Mirim, foi revitalizador da Festa, por volta de 1934-1936. Os festejos do Divino no Guaporé e Mamoré, têm seu início a partir do momento em que o Barco do Divino chega à localidade promotora da festa no ano anterior e o encarregado da Coroa recebe o Imperador do Divino da localidade, a Arca contendo a Coroa, a Bandeira, as Toalhas do Altar e os Livros de Ata. Isso ocorre após a quaresma, mais ou menos no período da Páscoa. Tradicionalmente, a saída do barco dava-se no sábado de aleluia. Hoje devido às inúmeras dificuldades que os peregrinos enfretam, não há rigidez, não há rigidez quanto à data de saída.
Após o encarregamento da Coroa receber a Arca, o Barco do Divino inicia sua peregrinação ao longo do Rio Guaporé, por quarenta dias até o final da festa, colhendo óbolos entre os ribeirinhos. O final da festa dá-se no dia de Pentecostes.
Anteriormente, a peregrinação era feita em barco movido a remos. Hoje, os peregrinos utilizam um pequeno motor emprestado de algum membro da Irmandade, para movimentar a embarcação até perto da localidade, quando, então, o motor é desligado e os remeiros iniciam remadas cadenciadas impulsionando o barco até o porto.
Ao aproximar-se de cada povoação, o Barco do Divino anuncia a sua chegada através de três salvas de Ronqueira (artefato confeccionado de madeira com um cano de ferro por onde é introduzido a pólvora), três buzinadas em chifres de bois, e, mais próximos, os remeiros entoam cânticos de chegada e fazem a “ Meia-Lua”, em frente ao porto, que consiste em três voltas circulares com o barco, antes de aportar. As remadas cadenciadas e os remeiros espargem água para o alto entre uma remada e outra. O caixeiro, inicia o toque do tarol.
À chegada do Barco do Divino, ocorre grande número de pessoas que extravasam sua fé, agradecendo as graças recebidas e pagando suas promessas. Uns, se prostam de joelhos percorrendo, dessa maneira, a distancia que separa o porto do local de “ morada” da Coroa. Outros e introduzem no rio, com água até a altura dos ombros, segurando velas acesas, rezando ou chorando. Todos eles acometidos de grande emoção.
Quanto o barco aporta, o Encarregado da Coroa sai do barco acompanhado dos foliões, do Mestre dos Foliões (que entoam os cânticos acompanhados de um violão), do Encarregado da Bandeira e os demais tripulantes. São recebidos pelo Imperador ou Imperatriz local. A Imperatriz recebe o Cetro de Prata, e o Imperador a Coroa, das mãos do Encarregado da Coroa. A partir de então, os fiéis ajoelham-se e beijam a Bandeira, o Centro e têm a Coroa posta em suas cabeças por breves instantes. É a benção do Divino, que todos recebem contritamente. As esmolas são, então, colocadas na bandeja de Prata que suporta a Coroa.
O cortejo dirigi-se, após, para a igreja da localidade por breve período, seguindo depois para o local onde dará a alvorada do Divino ou “Velório” (acontece durante todos os dias em que a Coroa fica na povoação). Esse costume é herança dos portugueses e ainda é conservado em seus aspectos tradicionais. Ao cair na noite, a Bandeira e a Coroa são recolhidas à casa onde o Santo está morando, e onde são rezadas as novenas e entoados cânticos.
As festividades são mantidas e preservadas a mais de cem anos em meio a grande floresta Amazônica. Em lugares distantes dos grandes centro hegemônicos e políticos de Rondônia e sem muito apoio de órgãos governamentais que busquem a preservação desse patrimônio imaterial representativo da cultura da Amazônia. A única festa religiosa do Divino que se realiza de maneira fluvial e sendo binacional, pois, envolve o Brasil e a Bolívia. A Festa do Divino é a prova não apenas da fé do homem da Amazônia, mas o sincretismo da cultura dos povos excluídos da floresta, onde nordestinos, índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas e bolivianos se agarram na esperança de dias melhores a partir da religião.
Aleks Palitot
Historiador