Um Marquês para a Amazônia

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Marquês de Pombal – Portugal
ADMINISTRAÇÃO
DE POMBAL

Na segunda metade do século XVIII, com a
ascensão de D. José I ao trono português, ocorreram várias transformações
políticas e econômicas em Portugal, que alteraram significativamente o quadro
das relações coloniais.
O ministro Sebastião José de Carvalho e Melo
– o marquês de Pombal – influenciado pelas ideias iluministas da Europa do
século XVIII, pretendia libertar Portugal da dependência com a Inglaterra,
recuperando a economia nacional e modernizando as instituições política,
econômica e ideológica, que, na maioria, estavam sob o jugo da Igreja.
Em 1750, por meio do Tratado de Madri, a
Espanha ficou com a posse da região do Rio da Prata, recuperando a Colônia de
Sacramento, e a Portugal coube a região dos Sete Povos das Missões e a
Amazônia.
A política centralizadora adotada pelo rei D.
José, tendo à frente o marquês de Pombal, visava, sobretudo, a Amazônia, já que
a Coroa portuguesa pretendia consolidar a posse dessa região. Para isso,
determinou a criação da Companhia de Comércio do Grão- Pará e Maranhão, que
passava a ter monopólio das drogas do sertão, até então nas mãos dos
missionários. Outro ponto de atrito foi a questão indígena, regulamentada com a
publicação do Diretório dos Índios. Essa legislação, promulgada em 1758,
impunha normas que visavam acabar com as diferenças culturais desses povos. Era
uma tentativa de impor a língua e a cultura portuguesa e acabar de vez com os
leigos, nomeados pelo governador.
Para os indígenas aldeados, essa mudança foi
catastrófica, pois houve aumento da exploração da mão-de-obra, suas terras
foram reduzidas e a identidade étnica dos grupos foi abalada. Para não conservar
as antigas culturas, as aldeias receberam nomes de cidades portuguesas, como
Satarém, Barcelos, Bragança, Ourém, Alenquer. As línguas indígenas foram
proibidas e o português tornou-se língua oficial. A língua geral – nheengatu, muito usada na Amazônia e no
Sul do Brasil – foi proibida e considerada língua de selvagens e de povos
atrasados.
Em 1759, Pombal expulsou os jesuítas das
colônias portuguesas, especialmente da Amazônia, argumentando que a Companhia
de Jesus havia se tornado tão poderosa na região quanto o próprio Estado
português, assumindo funções mais políticas do que religiosas.
Em 1798, o diretório foi abolido em
decorrência da corrupção e dos abusos cometidos pelas autoridades.
Dentre as inúmeras medidas adotadas pelo
marquês de Pombal, deve-se considerar, em função de sua importância para a
região, a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão, em 31 de julho de 1751.
Dentre seus objetivos, o novo Estado, com sede em Belém, permitiria, em função
da posição geográfica de sua capital, demarcar com mais rapidez e segurança as
fronteiras portuguesas, visando efetivar o que havia sido combinado, em 1750,
com o Tratado de Madri.
Para colocar em prática as medidas tomadas
por Pombal, seu meio-irmão, general Francisco Xavier de Mendonça Furtado, foi encarregado
de governar o recém criado Estado, o que fez entre os anos de 1751 a 1759,
deixando vários escritos, dentre os quais se podem extrair registros de
aspectos da realidade dos índios e do Estado do Grão-Pará e Maranhão na época.
Apesar da transferência da capital, com a
criação do novo Estado, para Belém, restava ainda uma vastíssima área a oeste
para se controlar e prover a defesa, localizada no chamado Sertão do Amazonas.
Diante disso, Mendonça Furtado propôs à Coroa portuguesa a criação de um governo
nessa região, o que foi aceito.
Há que se destacar ainda, como parte da
política pombalina para defesa e ocupação da Amazônia, a construção do Forte
Príncipe da Beira, em Costa Marque no Guaporé e a tentativa de colonização do
Amapá, com a vinda de imigrantes de Mazagão, Marrocos , na África, para Nova
Mazagão e de açorianos para Macapá.  
      
A OCUPAÇÃO DO
VALE DO GUAPORÉ
     
Ainda no século XVI representantes da coroa portuguesa se aventuraram
pelas brenhas amazônicas, tendo, passado pelos vales do Madeira-Guaporé-Mamoré.
Na realidade se pensava em utilizar essa região como ponte de passagem e
ligação entre as colônias do Sul e as do extremo Norte. Uma ligação
extremamente arriscada e difícil de ser realizada.
     
Um dos primeiros passos de Portugal para assegurar sua posse sobre a
região do Guaporé foi a ocupação desses vales, de onde extraia ouro e as drogas
do sertão. Essa ocupação se deu pela ação dos bandeirantes que, ao mesmo tempo,
explorava e ocupava. Além disso, a ocupação se realizou pela presença militar o
que pode ser comprovado pelas inúmeras construções fortificadas.
      
Era necessária, entretanto uma ocupação estável, para assegurar a posse.
Somente as expedições aprisionando indígenas e colhendo as drogas do sertão não
assegurava a presença colonizadora e definitiva. Ale disso, não cessava a
constância dos conflitos, tanto com os índios como com os castelhanos, que
também estavam ocupando a região de oeste para leste.
      
Foi com vistas nessa presença constante que, ainda antes da assinatura
do Tratado de Madri, d. Antônio Rolim de Moura recebeu a incumbência de povoar
a região do Guaporé. Nessa ocasião foi criada a capitania de Mato Grosso e
Rolim de Moura coordenou a estruturação da capital daquela província, às margens
do Guaporé. E cidade, Vila Bela da Santíssima Trindade, além de assegurar a
presença portuguesa, seria um ponto de coleta de impostos sobre a mineração.
      
Em 1734, quando da descoberta de ouro nas proximidades do Guaporé a
produção do Mato Grosso já estava em declínio. Para melhor explorar os novos
locais o governo da capitania de São Paulo promoveu uma “guerra
justa” conta os índios a fim de conseguir escravos para a mineração. Essa
empreitada, como outras tantas, dizimou alguns grupos indígenas.
       Vale a pena destacar que nessa época a
tecnologia de mineração era muito rudimentar o que fazia cada faisqueira ou
lavra possuir uma vida útil muito curta, o que, por sua vez, provocava um
processo migratório constante, em busca de novos veios auríferos. Também é
preciso destacar que os trabalhos nas lavras e faisqueiras era extremamente
insalubre. Mesmo assim os “campos d’oro” como era conhecido o vale do
Guaporé sobreviveu, em virtude da abundância de minério; mas não prosperou,
pois a abundância era aparente. Não se ergueram cidades ao redor da febre do
ouro guaporeano. E a febre passou logo. Entretanto no final do século XVII o
vale do Guaporé foi sendo abandonado: pelos mineradores que procuravam regiões
mais ricas, pela falta de investimento, visto ser improdutiva e também pelos
governadores Gerais que passavam a maior parte de seu tempo em Cuiabá. No vale
permaneciam apenas os negros libertos, entregues à própria sorte. E com isso
estava sendo decretada a sorte da região: o abandono.
       
Nesses anos dos séculos XVII e XVIII, a agricultura era apenas de
subsistência. Raramente se explorava algum excedente e quando havia o mesmo era
levado para o Pará ou contrabandeado para a região castelhana, do outro lado do
rio. A terra era fértil, mas a extração de ouro era mais promissora e de
rentabilidade maior e mais imediata. Mas a fertilidade da terra era de curta
duração…
       
O mesmo vale para a Pecuária. Havia demanda por carne, mas não havia
interesse em criar concorrentes para os produtores do sul. As poucas cabeças de
gado que entrou na região vieram de São Paulo ou do contrabando espanhol. Havia
possibilidade de se expandir os engenhos, mas nem isso prosperou. O fato é que
no vale do Guaporé havia falta de gente, de comida, de gado e de minerais
valiosos. Só sobrava escravidão e penúria.
        
O abastecimento da região, inicialmente era feito através de caravanas
paulistas. Com a descoberta da possibilidade da rota fluvial, o abastecimento
passou a ser feito a partir de Belém, pelos rios Amazonas, Madeira, Mamoré,
Guaporé. Mas isso só depois de 1754, quando foi franqueada a navegação. Nessa
época os rios que serviam de rota para o contrabando passaram a servir de
caminho de integração e rota de colhimento de impostos. Entretanto essa forma de
abastecimento não barateou o custo das mercadorias. Mesmo com a criação da
Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão o abastecimento continuou
insuficiente, caro e mantendo o endividamento dos mineradores, ampliando o
ciclo da escravidão: passavam a ser escravos, além do negro e do índio, o
colono branco que dependia desses meios e vias de transporte.
        
O vale do Guaporé, principalmente a partir do séc. XVIII transformou-se
em uma espécie de abrigo de indesejáveis e depósito dos proscritos do sistema.
Prisão sem paredes ou grades, onde os desclassificados poderiam ser úteis para
o poder. Brancos endividados e criminosos viriam a ser a elite dos
colonizadores do vale. Em contrapartida o conjunto de anônimos era formado por
indigentes de outras áreas, prevalecendo a população negra e mestiça. Muitos
romances poderiam ser escritos contando as sagas e epopéias de quantos se
aventuraram, desbravaram e morreram nas brenhas amazônicas e de Rondônia.
       
A política dos governadores da província do Mato Grosso permitia que
brancos, mamelucos e mestiços, mais claros conseguissem o prestígio que seria
impossível em outras regiões. A sociedade poderia ser assim descrita: a elite
branca, formada pelos governadores e seus auxiliares, os ricos proprietários e
os comerciantes; as camadas médias era formada pelos pequenos e médios
comerciantes e alguns ex-escravos já donos de lavras, homens pobres e livres,
mineradores e agricultores e homens que compunham as expedições dos
sertanistas. Por fim os escravos negros em menor número e índios. Como a
maioria da população era constituída de homens era comum e elevado o índice de
violência.
        
As péssimas condições sanitárias mais o ambiente natural ocasionavam um
elevado número de doenças, fazendo com que a morte acompanhasse o dia-a-dia das
pessoas. As principais causas de doenças eram: malária, corruções, febres
catarrais, pneumonia, diarréia, tuberculose, febre amarela, tifo e cólera. E
quase todas mortais, por falta de acesso a tratamento.
        
Os escravos eram usados em diferentes atividades: nas faisqueiras, nas
lavras e sesmarias. Nas grandes propriedades eram controlados pelos feitores –
em geral de origem negra – mas entre os pequenos proprietários havia uma
relação mais próxima, mas nem por isso menos sujeita a revoltas, fugas e
insurreições. Também havia os “pretos Del Rey” propriedade da coroa,
que estavam a serviço do governador, para a edificação de obras públicas. Esses
escravos podem ser vistos como verdadeiros equipamentos de serviço público, eram
poucos e os governadores se obrigavam a alugar mais escravos junto aos
proprietários. Em 1752 Rolim de Moura criou a Companhia dos Homens Pretos e
Mulatos.
       
Suas condições de vida não sendo boas os escravos do vale do Guaporé
tendiam a se revoltar individual e coletivamente. Durante a segunda metade do
século XVII eram comuns as fugas de escravos, formando quilombos, com um
destaque para o de Quariterê (do Piolho) que existiu de 1752 a 1795, ano em que
foi destruído. Os escravos aprisionados pela bandeira de Francisco Melo Palheta
acabaram sendo libertados por Cáceres que lhes ordenou fundarem a aldeia de
Carlota.

        
Entre as principais causas de decadência do vale do Guaporé podem ser
mencionadas: insalubridade, decadência do ouro, dificuldade de acesso e
permanência, hostilidade índia. Além disso nas primeiras décadas do século XIX
a capital foi transferida para Cuiabá, onde os capitães generais já passavam a
maior parte do tempo, permanecendo Vila Bela abandonada, como herança aos negros
que ali ficaram abandonados.
Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC

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