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Estação ferroviária da Estrada de Ferro em Porto Velho – RO |
No ano em que a firma P. & T. Collins abandonou Santo Antônio, coincidentemente a Bolívia envolveu-se em uma guerra com o Chile, que viria a perder 3 anos depois em 1882, e como resultado dessa derrota, viu-se privada de seus portos marítimos, uma vez que o Chile deles se apossou, transformando a Bolívia em um País sem saídas para o Mar.
Dessa forma, a Bolívia, não querendo pagar os pesados tributos que certamente Chile e Peru cobrariam pela passagem de suas mercadorias, recorre ao Brasil em busca de auxílio, uma vez que esse País sempre havia facilitado o comércio Boliviano, inclusive isentando-o de taxação no trânsito pelo território Brasileiro. Por outro lado, o Brasil também vislumbrou nessa situação a “mola” impulsora para aquela região da Amazônia, uma vez que concentrar todo o movimento de exportação e importação Bolivianos certamente justificaria, financeiramente, a empreita que representava a construção da Madeira Mamoré, sendo firmado, em 15.05.1882 um tratado que versava sobre a navegação nos rios bolivianos e a construção da E.F.M.M., sendo despachada imediatamente para a região, pelo Brasil, uma equipe de engenheiros (a comissão Morsing) para os estudos visando a construção da ferrovia.
Já na chegada a Santo Antônio, em 19.03.1883 e diante da desolação do local e do total estado de abandono dos restos da aventura da firma P. & T. Collins e da enormidade do que havia sido feito durante aquele quase um ano para os padrões de produtividade dos trabalhos na região (construídos 6 km de trilhos, aterrados cerca de 20 km e estudados mais de 100 km), já declarou um dos membros da comissão: “São incríveis os trabalhos feitos por aqueles heróicos Americanos, a despeito de todas as contrariedades”…
Essas contrariedades não tardaram a afetar a comissão Morsing e após cerca de um mês de permanência no local, já começavam a registrarem-se as primeiras mortes de engenheiros, e o próprio chefe da comissão adoeceu, sendo retirado do local. Para variar, os índios também continuavam perturbando os trabalhos e assustando os encarregados do trabalho a ponto destes não se aventurarem nas matas à procura de caça para substituir a alimentação pobre do local, o que contribuiu ainda mais para piorar as condições de saúde dos membros da comissão, registrando-se mais algumas mortes de engenheiros e trabalhadores, até que a comissão retirou-se em 19.08.1883, quando já não havia nenhum membro que não estivesse doente.
Entretanto, pouco antes de abandonar o local, a comissão encontrou o jogo de plantas originais do levantamento topográfico para a construção da estrada de ferro feitas pela Public Works, plantas essas que há 10 anos atrás haviam dado início a toda a celeuma envolvendo a construção da ferrovia, por ser a base do processo movido por essa empreiteira em Londres. Nessa ação, a empresa utilizou-se de cópias dessas plantas para embasar sua alegação de haver sido enganada, visto que a ferrovia teria na realidade uma extensão bem maior do que a contratada. Durante muitos anos, na falta das plantas originais –agora encontradas– houve duas correntes distintas de opinião: Os defensores da “fidelidade” das plantas, ou seja, que acreditavam que realmente os engenheiros ingleses havia levantado todo o trecho entre Santo Antônio e Guajará Mirim, e os que achavam que ela havia sido “fabricada” nos escritórios londrinos.
É importante essa observação, pois a comissão Morsing havia levado do Rio de Janeiro as plantas feitas pela P.&T. Collins e já havia “conferido-as” na extensão de 106 km, dando-as como boas. Como agora haviam sido encontradas as plantas originais (que a Public Works sempre garantiu serem genuínas e oriundas do trabalho de mapeamento do trecho entre Santo Antônio e Guajará-Mirim), bastaria “linkar” as duas plantas e conferir os primeiros kilometros da planta da Public Works para, havendo aderência entre os levantamentos, finalmente poder-se acreditar ter em mãos o futuro traçado da ferrovia.
Essa decisão foi tomada pelo Engº Morsing, então já recuperado e de volta à região, onde encontrou-se em Manaus com o que restava da comissão, chefiada pelo substituto de Morsing, o engº Pinkas, que havia retirado-se de Santo Antônio completamente depauperada. Despachadas 2 turmas de engenheiros para conferir os primeiros kilometros da planta da Public works e “linkar” o início desta com o final da planta da P.&T. Collins, trabalhos esses terminados, novamente com grandes sacrifícios, em 28.01.1884, quando o engº Camarão retornou a Manaus e informou, com grande satisfação de todos, que os dados da planta da Public Works eram bastante exatos e confiáveis, o que levou o engº Morsing a aceitar essa planta como boa e dar por encerrados os trabalhos da comissão. Naquele momento, apurou-se que o traçado da ferrovia deveria ter cerca de 361,7 km, conforme planta abaixo…
Porém, o caso das plantas ainda não estava terminado. Alegando que durante o processo em Londres havia sido afirmado que as plantas da Public Work eram falsas e que portanto o engº Morsing não as poderia ter aceito como boas, o engº Pinkas conseguiu levantar uma polêmica que convenceu o então Ministro da Agricultura a constituir nova comissão para refazer os estudos, comissão essa chefiada pelo engº Pinkas, que chegou a Santo Antônio em 20.06.1884, regressando em 10.09.1884, tendo aparentemente realizado a proeza de levantar mais que o dobro de tudo que havia sido levantado (confirmado) pela comissão Morsing em apenas 77 dias, novamente às custas de grande sacrifício em vidas humanas.
Como após 7 meses ainda não haviam sido apresentadas as plantas levantadas pelo engº Pinkas, veriifcou-se no Rio grande celeuma e debates entre facções que apoiavam o engº Morsing e o engº Pinkas, e que praticamente terminariam após denúncias de integrantes da comissão de que a planta apresentada por esse último havia sido, em realidade, forjada em grande parte nos escritórios do engº no Rio de Janeiro. Na realidade, nas duas plantas a ferrovia corria praticamente paralela, apenas diferindo no trecho entre as cachoeiras do Jirau e Guajará-Mirim, justamente o trecho dado como bom Por Morsing de acordo com as plantas da Public Works, e no local de início da ferrovia, que Pinkas estabelecia em Santo Antônio. Somente em 1912, terminada a construção da ferrovia, iria confirmar-se, com certeza, que Morsing estava correto e Pinkas errado. Abaixo, o traçado previsto de acordo com a planta de Pinkas.