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Interrogar o passado significa, acima de tudo, ampliar os horizontes para sua plena compreensão. Num acontecimento histórico marcante, atuam inúmeros agentes, sob diferentes primas, cada qual contribuindo, a seu modo, para que o fato ultrapasse a circunstancialidade e venha a integrar a vida dos povos e das nações. A pesquisa, o debate, o confronto de opiniões, são elementos imprescindíveis para que o resgate dos eventos históricos se realize em toda a sua plenitude. Com isso, evita-se o artifício da redução simplista dos acontecimentos, retirando o ato de contar do âmbito passional e transportando-o para o espaço da análise histórica, para assim, não ficarmos apenas com a memória nacional formatada pelo Estado, mas sim para também refletirmos sobre a memória subterrânea, analisando cautelosamente o discurso oposto, abrangendo as duas faces da história.
Tentando encontrar o melhor caminho da face da história, levantamos algumas indagações pertinentes, e até mesmo as inúmeras versões, sobre uma figura histórica importante para o Brasil, Tiradentes. Um fato histórico, que comemoramos todos os anos no dia 21 de abril, o primeiro feriado decretado pelos militares após a Proclamação da República, algo que foi possível a partir da Revolta denominada Inconfidência Mineira em 1789. O herói Tiradentes como o único a receber uma punição severa por ser, segundo a História oficial, o representante popular do grupo dos inconfidentes e ter lutado pela liberdade do país, ele teria assumido toda a responsabilidade pelo evento. O historiador inglês Kenneth Maxwekll, em seu livro “A devassa da devassa” aponta características de Joaquim José da Silva Xavier bastante significativas para que este perfil de herói seja visto com cautela.
Mesmo após a Independência do Brasil, em 1822, Tiradentes não seria reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira. Somente em 1867 é que se ergueu em Ouro Preto, um monumento em sua memória, por iniciativa do presidente da Província Joaquim Saldanha Marinho. Mais tarde, somente no período republicano, o dia 21 de abril se tornou feriado nacional, e, pela Lei 4.867, de nove de dezembro de 1965, Tiradentes foi proclamado patrono cívico da nação brasileira. Hoje não se concorda muito com a idéia de que ele fosse do setor popular e que teria sido executado por isso. Ele teve mesmo as preterições na cavalaria, não teve as promoções às quais aspirava, mas era proprietário de escravos, teve problema com as datas minerais onde não teve sucesso”, explica a professora do Departamento de História da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), Andréa Lisly Gonçalves.
“É verdade que há registros de uma grande comoção popular no dia do enforcamento de Tiradentes, em 21 de abril de 1892, no Rio de Janeiro.” Segundo Renata Costa, em seu artigo “Mito de Pés de Barro”, conta-se que Tiradentes havia assumido uma postura espiritual dentro da cadeia e foi para a forca demonstrando paz de espírito. Ainda que tão famoso, pouco se sabe sobre os ideais de Tiradentes. Segundo o professor Villa, o fato do mártir não ter deixado nada escrito faz com que ele seja um líder sobre o qual não é possível dizer nada. “Neste aspecto, sabemos mais sobre Cristo através da Bíblia do que sobre Tiradentes”, diz. Por outro lado, salienta Furtado, por não ter deixado registros, se torna uma figura heróica ideal. Tiradentes não foi considerado um herói tão logo morreu e só passou a ser cultuado 98 anos após a sua morte. Como defendia idéias iluministas republicanas e antimonarquistas, durante o período imperial brasileiro, seu nome quase não era citado.
O que sabemos sobre o Herói?
Seu nome completo era Joaquim José da Silva Xavier. Nasceu no ano de 1746, na Fazenda do Pombal, distrito de São João Del Rey, em Minas Gerais. Porém, não há registro da data de seu nascimento, apenas do seu batismo, em novembro daquele mesmo ano. Ao contrário do que seu apelido insinua, Tiradentes não suportava arrancar dentes. Ele era muito mais a favor de preservar os dentes do que arrancá-los. Porém, quando arrancar era irremediável, ele colocava coroas artificiais, feitas de marfim e de osso de boi, que ele mesmo fabricava.
Aos 40 anos, se apaixonou por Ana, uma menina de 15 anos, mas ela já estava prometida a outro homem. Tiradentes nunca se casou, mas teve dois filhos – João, com Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com a viúva Antônia Maria do Espírito Santo. Tiradentes tentou várias profissões: dentista, tropeiro, minerador e engenheiro. Entrou, então, para a Sexta Companhia de Dragões de Minas Gerais, como alferes, uma espécie de segundo-tenente.
Tiradentes está diretamente ligado ao movimento que ficou conhecido como “Inconfidência Mineira”. Os historiadores preferem “Conjuração Mineira” já que o que aconteceu em Minas Gerais foi um ato organizado para conquistar a independência do país e não um ato de deslealdade, traição ou infidelidade, que servem para traduzir a palavra inconfidência.
Segundo relatos da época, Tiradentes era alto, magro e muito feio. Ele nunca usou barba e cabelos longos. Como militar, o máximo que se permitia era um discreto bigode. Ele foi enforcado no Rio de Janeiro, com a barba feita e o cabelo raspado, no dia 21 de abril de 1792. “Pois seja feita a vontade de Deus. Mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pela libertação da minha pátria”, teria dito Tiradentes ao ouvir serenamente a sua sentença de morte.
Após o enforcamento, seu corpo foi esquartejado. As quatro partes foram postas em alforjes com salmoura, para serem exibidas no caminho entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. A casa de Tiradentes em Vila Rica foi demolida, e o chão, salgado, para que nada brotasse naquele solo. A cabeça de Tiradentes foi levada do Rio de Janeiro para Vila Rica, em Minas Gerais e ficou exposta num poste em praça pública. Na terceira noite, foi roubada e nunca mais foi encontrada.
Em 1870, o movimento republicano o elegeu como mártir cívico-religioso e antimonarquista. A data de sua morte tornou-se feriado nacional em 1890. A primeira pintura oficial também data deste ano, de autoria de Décio Villares, que apresenta Tiradentes como Cristo, com barbas e cabelos longos. Tiradentes teve também exaltada sua imagem de militar patriota, quando nomeado patrono da nação pelo governo militar, em 1965, enquanto os movimentos de esquerda não deixaram de recorrer a ele como símbolo de rebeldia.
A história, como as outras formas de conhecimento da realidade, está sempre se construindo: o conhecimento que ela produz nunca é perfeito ou acabado. Em suma, ela procura especificamente ver as transformações pelas quais passaram as sociedades humanas. A transformação é a essência da história; que olha para trás, na história de sua própria vida, compreenderá isso facilmente. Nós mudamos constantemente; isso é válido para o indivíduo e também válido para a sociedade. Nada permanece igual e é através das diversas faces da história que percebemos as mudanças, as diferenças e as transformações.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098