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Podeis imaginar o que é cruzar a Floresta Amazônica para construir uma ferrovia?
Por dias não se vê nada além da grande floresta. Perfeita e cheia de vida.
Vive-se preso ao medo. Medo das tempestades. Medo de doenças. Medo de animais selvagens. Medo do desconhecido.
Então é preciso ocultar esse medo bem no fundo da alma, e estudar os mapas, observar a bússola, rezar para um bom dia de caminhada e ter esperança. Pura, simples e frágil esperança. Assim, vivemos a verdadeira aventura nascida do vasto desconhecido, além da imensidão. Uma nova vida, uma nova História.
Em quatro longos dias e três noites, a equipe do Trilhando a História ( Reinaldo Caverna, José Calixto e Aleks Palitot) viveu a emoção e as adversidades de seguir literalmente o rastro da história, o caminho de ferro e a memória de aço. Do quilômetro um da Estrada de Ferro Madeira Mamoré até o quilômetro 366 em Guajará-Mirim.
As Três Caixas D’água em Porto Velho – RO |
Para começar realizamos no primeiro dia de nossa aventura um rapel no símbolo de nossa cidade Porto Velho, as três Caixas D’água. Depois seguimos ruma a Estação ferroviária no complexo da Madeira Mamoré, e de lá seguimos em um enduro a pé com mais de trezentos aventureiros rumo a Igreja de Santo Antônio na antiga corredeira. De lá de bicicleta nos destinamos a Cachoeira ou comunidade de Teotônio, encontramos casas e locomotivas abandonadas ao longo do percurso, constatação da realidade das políticas de preservação do patrimônio do nosso Estado, o descaso. Chegamos em Teotônio para acampar na floresta logo a noite, a exatos 20 horas do dia 7 de setembro. As 21 horas recebemos a visita do Pesquisador e biólogo o Mestre Flávio Terassini, onde com destreza irretocável nos levou a uma trilha noturna com o intuito de encontrarmos espécies da floresta, na tentativa de vivenciarmos as mesmas aflições e cuidados com que os operários da ferrovia tiveram no passado, quando encararam a floresta. Encontramos durante a atividade duas cobras, entre elas uma Jibóia de quase três metros, além de passarmos por duas aranhas caranguejeiras e um escorpião. Depois das 23 horas fomos finalmente dormir no acampamento.
Ponte do Rio Lajes – Vila Murtinho – Rondônia |
Logo cedo no dia 8 de setembro seguirmos de bicicleta até a Nova Teotônio e depois rumo a Br 364. Ao chegar na rodovia colocamos as bicicletas no automóvel Pajero Dakar e seguimos até Jaci Paraná. Lá colocamos o caiaque na água no Rio Jaci e passamos pela Ponte Centenária da Ferrovia, onde depois de um tempo buscamos a margem próxima, da antiga Estação da Estrada de Ferro em Jaci. Além desta encontramos as antigas caixas d’água e uma prisão feita de trilhos, algo majestoso e ao mesmo tempo irônico, não imagino prisão maior naquela época do que a própria floresta Amazônica.
Depois do almoço seguimos de carro até Jirau e lá gravamos com antigos moradores, testemunhas oculares da época do funcionamento da Maria Fumaça.
Na mesma tarde uma grande chuva nos alcançou na rodovia, por isso, zelando pelo cuidado e cautela, diminuímos a velocidade, e chegamos as 17 horas em Mutum Paraná, e encontramos ainda resistindo ao tempo a grande Ponte de Mutum erguida em 1911. Constatamos também o grande impacto ambiental na floresta, um desmatamento gigantesco próximo dali, equivalente a 50 estádios do Maracanã.
As 17 horas e 30 minutos fomos com destino a Abunã, enfim encontramos algo a se comemorar, uma galpão revitalizado da antiga ferrovia. Mas, ainda a estação de Abunã abandonada.
Decidimos seguir de bicicleta até o entroncamento das duas rodovias (364 e 425). Chegamos por volta das 18 horas e 30 minutos e novamente colocamos as bikes no carro e seguimos até as Pontes de Araras e Ribeirão. Ás 21 horas chegamos em Vila Murtinho e mais uma vez montamos acampamento. Durante a noite sons estranhos emergiam da floresta, demorei a dormir e percebi o quanto deveria ser difícil para os operários na época da construção encararem tudo aquilo.
No dia 9 de setembro bem cedo, conhecemos as ruínas de Vila Murtinho, uma Igreja em estilo gótico lindíssima, mas abandonada. Também observamos uma Estação, 5 residências e alguns galpões além da Caixa d’água. Colocamos mais uma vez o caiaque na água no encontro do Rio Beni com o Mamoré e fomos até as corredeiras, auxiliados por um boliviano que conhecia muito bem o lugar e suas adversidades. As 9 horas depois do percurso dos rios fomos de bicicleta até a localidade de Lajes, cerca de sete quilômetros dali. Lá encontramos uma ponte metálica espetacular, denominada Ponte de Lajes. As 11 horas decidimos colocar as bicicletas no carro e seguir até Nova Mamoré para almoçar. Depois continuamos de bicicleta até a comunidade do Iata, levamos cerca de três horas e meia para chegar, e logo constatamos a beleza da antiga Vila Agrícola do Iata, com boa parte do seu patrimônio preservado por seus moradores, com exceção da antiga Estação Ferroviária. Ás 16 horas e 30 minutos, bem cansados, fomos de Pajero Dakar até uma estrada de chão em área rural de Guajará-Mirim, sabíamos da existência de uma outra ponte fora do eixo BR, numa localidade que dá nome a ponte Bananeira. Essa foi a parte mais complicada da aventura. Caminhados cerca de 10 quilômetros em meio a floresta e por descuido nosso, esquecemos nossas lanternas no carro, chegamos na ponte as 18 horas 40 minutos, mas valeu a pena, ela se encontra intacta e em pé no meio da floresta, cuja vegetação já se apóia na dita ponte, que se tornou um verdadeiro jardim suspenso. Na volta, uma surpresa na imensa escuridão nos aguardava, no meio da trilha que tentávamos iluminar com um aparelho celular, apareceu um gato do mato, que durante alguns segundos nos encarou numa distância aproximada de duzentos metros, e depois se embrenhou no mato. Chegamos ao carro na estrada de chão às 20 horas, estávamos exaustos. Chegamos em Guajará-Mirim às 20 horas e 35 minutos, e tiramos uma fotografia em frente a Estação de Guajará no quilômetro 366 finalmente, foi então que decidimos ser justo aos aventureiros um bom hotel e um banho quente, nada de acampamento.
Corredeiras do Rio Beni – Bolívia |
No dia 10 de setembro, bem cedo mais uma vez nos fomos, à antiga estação e gravamos as cenas finais de nossa aventura, e com a certeza de dever cumprido, em homenagem feita aos pioneiros que enfrentaram todas as dificuldades de sua época para deixar um legado no o presente.
E fica aquela pergunta no início. Podeis imaginar o que é cruzar a Floresta Amazônica para construir uma ferrovia? Nunca saberei, pois, mesmo tentando viver algo no presente, é impossível mensurar tal epopéia desses destemidos pioneiros do passado.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87 diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098. Viveu a aventura de seguir os trilhos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré de Porto Velho até Guajará Mirim em 4 dias. Foram 366km de História e Estórias.