A Pérola do Mamoré, sua história e seus pioneiros

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Até os anos finais do século XIX, Guajará-Mirim
constituía-se apenas de alguns seringais, sem nenhuma povoação que chamasse a
atenção. Com a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré teve início a formação de
um núcleo urbano a partir do ponto final da estrada de ferro. O nome Guajará-Mirim
em dialeto indígena local significa “Cachoeira Pequena” (FERREIRA.
2005). Outra versão ao nome é citada por MENEZES (1983), na etimologia da
palavra gua significa Cachoeira, jara seria sereia e mirim pequena em
Tupi. Mas temos outras versões, citadas pelos historiadores Abnael Machado de Lima e Yedda Borzacov atribuindo ao termo a tradução de Campo das sereias; Guaya+ campo e yara=sereia.
Populares em Guajará Mirim em frente a Estação Ferroviária – Fonte: José Calixto
A região tinha seus seringais explorados pela Guaporé
Rubber Company, então gerenciada pelo Coronel Paulo Saldanha. Dentre os
principais seringais locais destacavam-se o Rodrigues Alves, Santa Cruz e o
Renascença. Os seringueiros viviam da coleta do látex e de um reduzido comércio
com a vizinha povoação boliviana de Guayaramerim. Os indígenas que naturalmente
ocupavam a região, defendiam o seu território, e assim, representavam uma
constante ameaça e impedimento ao trabalho dos seringueiros. Dentre eles
destacaram-se os Pacaás Novos.
Rio Mamoré fronteira com a Bolívia
Em 8 de outubro de 1912 foi instalado um posto fiscal
em Guajará-Mirim, administrado pelo guarda Manoel Tibúrcio Dutra. O município
foi criado em 1928, pela lei N° 991, assinada pelo presidente do estado do Mato
Grosso, Mário Correia da Costa. A instalação do município ocorreu em 10 de
abril de 1929, tendo como lº Intendente nomeado, Manoel Boucinhas de Menezes. Segundo
viajantes que por Guajará-Mirim passaram na década de 20, esta cidade não
diferia muito de Porto Velho em sua origem. Ao lado planejado das residências e
escritórios da ferrovia surgiu um núcleo de povoamento com edificações improvisadas.
Situação curiosa a de Guajará-Mirim, semelhante à de Santo Antônio do Rio
Madeira, pois, apesar de ser pertencente ao estado do Mato Grosso comunicava-se
mais intensamente com Porto Velho, no estado do Amazonas, com a Bolívia através
de Guayaramerim e com Vila Bela no Mato Grosso. Determinava essa proximidade a
ferrovia e os rios Guaporé e Mamoré, do mesmo modo que Vila Bela comunicava-se
mais intensamente com Guajará-Mirim e Porto Velho do que com a capital do Mato
Grosso. O difícil acesso por terra até Cuiabá encontrava sucedâneo na navegação
do Guaporé e Mamoré. Assim Vila Bela, a capital do Mato Grosso até 1820,
possuía maiores vínculos com Guajará-Mirim que com Cuiabá.
A cidade de Guajará Mirim na década de 1950.
 Guajará-Mirim
era servida por algumas dezenas de embarcações de bandeira nacional e também bolivianas.
Vapores de roda na popa, lanchas à hélice além de outros tipos de embarcação
faziam o percurso de oito a quinze dias pelo Guaporé até Vila Bela e pelo
Mamoré até a capital do Beni, Trinidad. Em 1931 um antigo administrador dos
seringais da Guaporé Rubber e da Júlio Muller, o Coronel Paulo Cordeiro da Cruz
Saldanha, criou a Empresa de navegação dos rios Mamoré e Guaporé que,
subvencionada pelo governo federal, passou a servir o trajeto para Vila Bela e
o Forte Príncipe da Beira. Em 1943 essa empresa foi comprada pelo governo
federal, transformando-se no Serviço de Navegação do Guaporé. Paulo Cordeiro da
Cruz Saldanha foi prefeito de Guajará-Mirim, e seu sobrinho PAULO SALDANHA SOBRINHO, por duas vezes. Superintendente do
então Serviço de Navegação do Guaporé por algumas vezes, além de Delegado
Especial do Governo e também presidente da Câmara de vereadores da cidade de
Guajará-Mirim.  Nas primeiras décadas
desse século possuía Guajará-Mirim um comércio regular de bens e serviços para
atender à população além de diversos órgãos públicos. Delegacia de polícia com
efetivo de 10 praças e um sargento da força estadual, coletoria, posto fiscal,
telégrafo e correio, escolas, cinema, dezenas de casas comerciais e uma
população em tomo de mil e quinhentas pessoas. Essa população, como em Porto Velho, era
composta por elementos das mais diversas nacionalidades: gregos, turcos,
japoneses, espanhóis, barbadianos, portugueses, ingleses, americanos,
franceses.
Clube Militar em Guajará-Mirim
Ressentiam-se as autoridades de Guajará-Mirim da
ausência de um contingente militar para guarnecer a fronteira. O Forte Príncipe
da Beira encontrava-se em ruínas. Guayaramerim, apesar de possuir uma população
estimada em 400 pessoas, possuía um quartel com cem praças. Somavam-se ainda os
oficiais e uma capitania do porto. Esta situação foi resolvida durante o
período Vargas quando em 1932 foram criados os Continentes Especiais de
Fronteira em Porto Velho, Guajará-Mirim e Forte Príncipe da Beira, subordinados
a inspetoria do Capitão Aluízio Pinheiro Ferreira.
Nos períodos que envolveram as décadas de 40 e 50
Guajará-Mirim sofreu os efeitos do chamado “Segundo Ciclo da Borracha”. Além
desse novo surto gomífero, o município viu a criação de colônias agrícolas, no
caso, principalmente, a Colônia Agrícola do Iata. A região ainda vivia da
extração do látex, e do extrativismo da floresta, como, por exemplo, as
castanhas, o quinino e etc.
Praça Dr Mário Correa em Guajará Mirim
Na década de 70 o Governo Militar estabeleceu como uma
de suas metas ocupar a Amazônia, baseada no lema “Integrar para não entregar”.
O Município de Guajará-Mirim mais uma vez, seria alvo do novo modelo estatal a
ser implantado, no caso o Projeto Integrado de Colonização Sidney Girão, onde
mais de 3 mil famílias seriam assentadas. A proposta de levar “homens sem-terra
para uma terra sem homens”, sem considerar a configuração local da região e
muito menos suas populações nativas, torna evidente que os modelos de programas
de desenvolvimento implantados na Amazônia eram excludentes, na medida em que
distribui lucros e prejuízos desigualmente. Concentra benefícios sem arcar com
o custo social e ambiental, nem mesmo os financeiros, uma vez que, na maioria
dos casos, os enclaves eram subsidiados (CARDOSO e FALETTO. 1970. p. 160).
Mercado Municipal em Guajará Mirim
Em mais uma tentativa dos governantes, na busca do
desenvolvimento local da cidade de Guajará-Mirim, foi idealizada durante o ano
de 1988, como alternativa econômica, a criação da Área de Livre e Comércio ou
Zona Franca de Guajará-Mirim. O projeto visava resgatar o potencial de
comércio, desgastado pela conjuntura econômica nacional e pela perda de
competitividade dos produtos nacionais perante os importados pelo país vizinho,
Bolívia. Anos mais tarde, em 1991, o projeto, acolhido pelo Governo Federal,
foi transformado em projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional, tendo
sido sua regulamentação, decretada no ano de 1993. Sendo a área de
favorecimento comercial e industrial, dentro de um programa desenvolvido pelo
então Ministério de Integração Regional. A Área de Livre Comércio,
aparentemente, não proporcionou o desenvolvimento local, ficando isso claro
mediante os números do IBGE quanto ao crescimento de 1,6 por cento ao ano, constatado
nos últimos três recenseamentos no espaço de 12 anos. Soma-se a esse
crescimento econômico diminuto uma população que também decresce. A localidade
chegou a ter 60 mil pessoas na década de 80 do século XX, e hoje chega, ao
máximo, ao quantitativo de 40 mil habitantes. A Área de Livre Comércio de
Guajará-Mirim, hoje está sob administração direta da SUFRAMA, baseando-se nos
mesmos critérios da Zona Franca de Manaus.
Associação Comercial de Guajará Mirim
As dimensões territoriais e geográficas de Rondônia, a
diversidade das contribuições dos diferentes elementos formadores de sua
sociedade, a riqueza e variedade de seus ecossistemas, resultam num universo
cultural incomensurável. Em Guajará-Mirim, a pérola[1]
que a cada ano perde o seu brilho, não possui a contento, políticas públicas
para o desenvolvimento sustentável. Não se verifica na municipalidade a busca por
fomentar o turismo histórico ou ambiental, através dos espaços que lá já
existem, como o Museu Municipal, uma antiga estação da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré; as locomotivas da Estrada de Ferro Madeira Mamoré abandonadas no
silêncio; a Serra dos Pakaas no Parque dos Parecis, com suas cachoeiras e
trilhas; a antiga colônia agrícola do Iata, com suas festas tradicionais; o
encontro das águas dos rios Pakaas e Mamoré; o evento cultural denominado Duelo
da Fronteira, entre grupos de danças de boi-bumbá, reflexo da herança
nordestina deixada durante os ciclos do látex; e a Festa centenária do Divino
Espírito Santo, uma das muitas manifestações da identidade religiosa local
herdada dos portugueses.
Hoje a cidade de Guajará-Mirim, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, possui 41.656 habitantes. O
território do município corresponde a 24.856 km², localizado no norte do Estado
de Rondônia com o Bioma Amazônico. A receita no ano de 2013 foi de 41 milhões e
as despesas calculadas no valor de 33 milhões sendo que boa parte da
arrecadação advém da prestação de serviços (cerca de 352.000 por mês).
Ao observarmos as ações do Estado, em qualquer das
esferas, para o desenvolvimento regional, notamos que os projetos sempre
defendem a ideia de que se construa uma sociedade melhor, devendo promover a
redução das desigualdades sociais, induzir a formação e a adoção de políticas
de desenvolvimento. Todavia é importante que atentem também para a cultura, a história
e a identidade local. A discussão de potenciais atividades econômicas que
possam levar a Amazônia ao desenvolvimento sustentável é de maior relevância
para região; entretanto, é importante verificar até que ponto as atividades que
vêm sendo propostas por governantes e planejadores obedecem aos princípios de
sustentabilidade, não somente ecológica, mas também social, espacial, econômica
e cultural.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098


[1]
A cidade é conhecida em Rondônia como a pérola do Rio Mamoré.

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