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Médicos e enfermeiras no Hospital da Candelária em Porto Velho |
Que a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi uma epopéia na Amazônia, todo mundo já sabe. Mas poucos se atentam aos detalhes que fizeram diferença para que a construção da famosa “Ferrovia do Diabo” pudesse finalmente ser concluída, com o propósito de assim escoar a produção de borracha e quinino nos vales dos rios Guaporé, Madeira, Beni e Mamoré.
No período em que Percival Farquhar, empresário norte-americano se envolveu em tal empreitada, foi construído uma das melhores estruturas hospitalares da época no Brasil, com o intuito de minimizar o impacto que as doenças do mundo amazônico provocavam constantemente na vida dos trabalhadores da ferrovia.
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Farmácia do Hospital |
Pode-se obter uma idéia da soma do serviço feito no Hospital da Candelária, do fato de terem sido admitidas 30.430 pessoas no hospital, durante os quatros anos: de 1° de janeiro de 1908, até 31 de dezembro de 1911. Tendo seis grandes enfermarias (250 camas) e uma sala cirúrgica, com as mais modernas instalações, fornecendo o início local para cirurgia, dentro de um raio de muitas centenas de quilômetros. Existiam também laboratórios para exame de sangue e espécies patológicas. Durante estes quatro anos, a nenhuma pessoa, homem, mulher ou criança, de qualquer origem atacadas de qualquer moléstia, foi recusada a entrada no hospital. Muitas centenas de não empregados receberam do mesmo hospital tratamento médico e cirúrgico e em nenhum caso foi cobrado qualquer pagamento pelos serviços. Era mantida também uma farmácia, que distribuía livremente todos os remédios necessários para os doentes.
As doenças Amazônicas e os Trabalhadores
Nesse momento da história, revela-se um dos aspectos mais tristes ,embora práticos, da construção da ferrovia, pois a empresa concluiu que, se mantivesse o mesmo sistema de trabalho empregado em outras obras, funcionários fixos, iria falir completamente como todas as outras empreitas, pois a grande maioria dos homens que chegavam cheios de saúde à região, eram, após 3 ou 4 meses de trabalho, pessoas praticamente incapacitadas para o trabalho, devido às doenças que assolavam a área.
Assim, foi promovido um verdadeiro “rodízio” humano naquela região, onde mensalmente levas e mais levas de trabalhadores sãos e em pleno vigor físico eram trazidos para substituir os mortos, doentes e incapacitados, que eram então demitidos. Resolvidos a tocar as obras ininterruptamente através desse expediente, a Companhia estabeleceu representantes em diversos países da Europa, África e América Central, que ofereciam grandes perspectivas de lucros para aqueles que se dispusesse a cumprir um contrato de trabalho “em uma região paradisíaca na floresta tropical Brasileira”, findo o qual o trabalhador seria livre para tornar-se agricultor ou participar também da cornucópia de lucros e fortunas que prometia ser a região cortada pela Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
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Parte da estrutura do Hospital da Candelária |
Durante os 6 anos que durou a construção dessa ferrovia, cerca de 22.000 homens dos mais diversos países e regiões do mundo acreditaram nesse sonho e entregaram suas energias para contribuir para a construção dessa ferrovia. Quantos morreram? Quantos ficaram inutilizados e terminaram seus dias mendigando nas cidades do vale Amazônico? Quantos prosperaram? são perguntas sem respostas, como muitas que até cercam a construção dessa estrada de ferro.
Na média, cerca de 400 a 500 funcionários novos recrutados pela Companhia no mundo inteiro chegavam mensalmente aos canteiros de obras, e imediatamente começavam a substituir os doentes e incapacitados, pois à medida em que as turmas avançavam no levantamento da linha, derrubada das matas e construção da via permanente, iam afastando-se cada vez mais da Região de Santo Antônio, onde pelo menos já havia um mínimo de estrutura sanitária e embrenhando-se no coração da selva amazônica, enfrentando todo o tipo de doenças e enfermidades nessa região desconhecida, inexplorada e reconhecidamente uma das mais insalubres do planeta, devido aos milhares de pântanos e charcos que servem de viveiro para milhões de mosquitos e insetos transmissores das mais diversas moléstias.
E assim, o pessoal da ferrovia pagava seu pesado tributo à região, onde a malária grassava entre os trabalhadores, os quais muitas vezes, ao cair doentes em locais mais distantes do ponto inicial da ferrovia, acabavam morrendo à míngua sem quaisquer cuidados. Mesmo os médicos sofriam de doenças e nessas horas, eram os engenheiros e pessoal mais graduado escalados para fazer esse atendimento. Foi a construção dessa ferrovia recheada de episódios de heroísmo e dedicação de homens que, reunidos nos mais diversos locais do mundo deram, sob o comando de um punhado de americanos decididos e corajosos, mostras de um valor e solidariedade humanos impares, a ponto de muitos médicos e engenheiros acabaram encontrando a morte nesse trabalho de atender aos doentes.
E o que diziam os depoimentos na época? O de sempre: “Chove diariamente, os mosquitos perturbam dia e noite, não existe um único lugar seco nessa região, o chão é um barro só, o impaludismo e a malária grassam nos acampamentos e os homens morrem muito mais rapidamente do que antes…..” Um relatório de um dos médicos, o Dr. Lovelace, diz que 95% da população de Porto Velho estava atacada de malária e que, de acordo com seus estudos, algumas observações impressionantes haviam sido feitas, como por exemplo o fato de que com certeza, após 30 dias de estada em Porto Velho, uma pessoa já teria contraído a malária. Nessa época, a média de permanência de um funcionário na região era por volta de 3 meses e se era verdade que mensalmente chegavam vapores carregados de novos trabalhadores ansiosos por arriscarem a sorte na região, também é verdade que esses mesmos vapores partiam lotados com as mesmas pessoas que haviam chegado 3, 4 meses antes, apavorados com a pestilência que imperava na região. Quantas dessas pessoas doentes foram morrer na viagem ou em seus países de origem? Jamais saberemos.
Entretanto, os miseráveis que conseguiam chegar a Manaus ou Belém, passando a esmolar nessas cidades, foram objeto de muitas reportagens criticando essa situação por parte da imprensa, com repercussão mundial, a ponto de países como a Alemanha, por exemplo, proibirem a viagem de seus cidadãos com destino a essa empreita.
E assim, entramos pelo ano de 1909, onde em alguns meses chegaram a haver mais de 2.800 trabalhadores na ferrovia, das nacionalidades mais diversas que se possa imaginar, como chineses, índios Norte-Americanos, Húngaros, Belgas, Irlandeses, Russos, Árabes e muitos outros, fazendo-nos perceber que o trabalho de recrutamento de sangue novo dava-se em nível mundial. Realmente, como disse o Ministro da Viação e Obras Públicas em trecho de sua apresentação ao Presidente da República, em 1910: “Raras vezes terá sido construída uma estrada nas condições desta….”
Aos poucos , o engenho e a determinação dos Norte-Americanos foi transformando Porto Velho em uma cidade de razoável porte, sendo providenciados sistemas de saneamento e tratamento de água, sistemas de telefonia e até iluminação pública com eletricidade. Instalações tais como padarias, fábricas de gelo, cinema, fábricas de biscoito, matadouro e tipografia.
O Hospital da Candelária sem sombra de dúvida veio para resolver um problema grave com relação à saúde dos trabalhadores que, antes morriam como moscas, de febre amarela, malária, beri-beri e pneumonia. A luz do fim do túnel, a Candelária, era composta por 15 edificações na sua estrutura, e era composta por médicos e pesquisadores americanos. Até Oswaldo Cruz, grande cientista, médico e sanitarista; não poupou elogios em seus relatórios, sobre a infra-estrutura do Hospital da Candelária, que se tornou uma referencia no Brasil com relação a doenças tropicais, que passou a dar um ar de tranqüilidade para aqueles que viviam a aventura de desbravar a Amazônia.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098