Povo sem história não é povo, é bando

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Capa de abertura da matéria da Revista National GEO de agosto de 2014.
O sítio, ou o prédio histórico, isolada ou
integrada, nos dá uma medida de desenvolvimento mental de um homem ou de uma
sociedade, em um determinado local, em relação a si próprio ou em relação ao
conjunto cultural humano em todos os quadrantes da terra, nos dando também
dimensão de suas necessidades.
O resgate do patrimônio histórico, não raro,
nos oferta conclusões de suma valia para a orientação e comportamento do homem,
notadamente por que uma das conclusões extraídas desse resgate nos revela
naturalmente que os ciclos históricos se repetem com alguma exatidão e as
atitudes dos homens, em determinadas circunstâncias, são sempre as mesmas. Daí
entendemos ser história uma fonte inesgotável de exemplos de vivência e
convivência.
Enchente do Rio Madeira em 2014 – pátio da Madeira Mamoré – PVH
O resgate da história, como se vê, culmina
por fincar balizas num campo não conhecido pelo homem, amparando-se com
informações que lhe permitam, senão um caminho seguro, pelo menos algumas
alternativas de procedimento, arredando aquelas comprovadamente nefastas. E
assim, conhecendo o passado, desvendando o futuro.
Assim, não temos outro modo de viver. Somos
impelidos cada vez mais a procurarmos por nós mesmos, através do véu do tempo.
Exemplificados pelas dificuldades modernas de estudarmos o passado, temos o
compromisso moral de mantermos em pé o nosso presente para que nossos
sucessores não passem pelas aflitivas situações com que temos nos deparado.
Aleks Palitot na Ponte Lajes próximo a Vila Murtinho em Nova Mamoré
Nota-se que o estudo da história é uma tarefa
superior. Por isso, a necessidade do curso de bacharelado em história pois, ele
possibilita munir o historiador de ferramentas, métodos e experiência. O
historiador com diploma e não o de “gaveta” é, por assim dizer, uma versão do
guardião do tesouro, o responsável em possibilitar a formação de massa crítica
na sociedade. A tarefa não admite a colaboração de ímpios, aliás, exatamente
aqueles que pelas mais variadas razões tratam de ir apagando seus rastos ou
indícios de seus inimigos. O historiador tem de ser antes de tudo imparcial,
capaz de atravessar a rede de ciúmes e ódios, vaidades e ambições, tão comum
aos homens.
No caso de Rondônia, o espetacular Forte
Príncipe da Beira, mais do que uma breve história militar portuguesa nas selvas
amazônicas, nos revela, no conjunto das edificações militares que começam com o
Forte Jesus Maria José, no Rio Grande do Sul, e terminam com o Forte Macapá, a
história de uma geopolítica traçada pelo Marquês de Pombal, de dominação
portuguesa em regiões de disputa com a coroa espanhola.
Estação Ferroviária de Guajará Mirim em Rondônia – 2012
 A importância do historiador e da pesquisa na
defesa do patrimônio e na sua preservação, é pois, uma colocação tão
contundente que se torna axiomática; ou seja: não há quem não lhe possa avaliar
o valor.
Prefiro, quando vivo numa comunidade como a
nossa, lembrar da importância que temos, todos nós, transmutados em
historiadores, de defendermos e preservarmos aquilo que hoje está se
desintegrando entre nossos olhos, como um delito à nossa consciência de homens
civilizados. Sorte a nossa que ainda temos pessoas que lutam por nossa memória,
estes por alguns são “personas no
gratas”,
para outros defensores da nossa história e por isso, será válido
frisar pessoas como a historiadora Yeda Borzacov, o historiador Marco Teixeira,
o acadêmico de arqueologia Manuel Português, o museólogo Ocampo Fernandes e o
arquiteto Luiz Leite.
Ponte de Jacy Paraná – Estrada de Ferro M.M.
O mais atual e importante patrimônio
histórico que temos, a Ferrovia Madeira Mamoré, está abandonada. E pela mão de
alguns incansáveis lutadores locais, que prefiro omitir para não fazer
injustiça, pelo ânimo de ferroviários, ativistas e historiadores e pela consciência
da Justiça Federal, se tornam vozes ainda ativas em prol da preservação de
nossa memória.
Mas, mesmo assim, tempos negros houve por
aqui, quando criaturas impatrióticas e sem escrúpulos queimaram um imenso
acervo documental da ferrovia. Hoje, dela, nos restam alguns metros de trilho,
algumas locomotivas e alguns registros. Mas sua vida íntima, o regaço de sua
história, só poderíamos conhecer se tivéssemos esses papéis, montanhas de
arquivos que foram incinerados por verdadeiras bestas transloucadas ou mal intencionadas,
que levaram às cinzas uma das mais vibrantes páginas da epopeia sul americanas.
Talvez, estas bestas feras tenham deixado filhos, que ainda tentam de alguma
forma destruir nosso patrimônio através da omissão, sem políticas públicas para
o resgate de nossa história.

Oficina lítica no rio das Antas em Rolim de Moura.
 

Outra obra de magnitude, não pelo fausto de
sua aparência externa, mas por sua importância no contexto político nacional, e
que hoje já quase não existe, é a linha telegráfica de Rondon.

Cabe ao historiador dar o grito de alarme e
ir elaborando uma rota de trabalho cuja a espinha dorsal seja a descoberta e
perfeita delineação daquilo que entendemos que deve ser preservado para o
conhecimento das gerações vindouras.
E quando digo historiador, não me refiro aos
memorialistas, não me refiro àqueles estereótipos de pesquisador sem técnicas,
metodologias e vida acadêmica. É necessário levar a sério o patrimônio
histórico e a profissão de historiador. O homem comum, ou não tem tempo, ou não
tem interesse por essas coisas. Ou ainda, não têm capacidade mental para
entender-lhes o valor. Mas as grandes obras da humanidade não foram idealizadas
pelos homens comuns, em que pesem terem sido destruídos por ele.

Membros da Expedição Guaporé Objetivo no Forte Príncipe

Não nos tornemos homens comuns, e dentre
eles, trabalhemos, no sentido de lhes emprestar razão suficiente para entender
em que a pobreza de um passado, antes de mais nada e acima de tudo, significar
que só nos aguarda um pobre futuro.

   

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

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