A Universidade Federal de Rondônia, a greve e as ruínas do futuro

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Ari Ott
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UNIR
O que mais impressiona nesta greve de professores e estudantes da UNIR, não é tanto que ela tenha sido decidida agora, mas que somente agora ela tenha sido decidida. A implantação do REUNI na UNIR a partir de 2008, feita de afogadilho, para atender demandas políticas e de políticos, sem qualquer planejamento a curto e médio prazos, abrindo novos cursos como quem escolhe pratos em um cardápio de restaurante, contrariando todos os alertas emitidos pelas parcelas mais conseqüentes da Universidade e da sociedade, só podia resultar neste quadro de abandono, precariedade e favelização (sem ofensa às favelas).
Sem a expansão da infra-estrutura correspondente ao aumento das matrículas, o que se assiste agora é uma Universidade em que as condições mínimas de funcionamento estão comprometidas, talvez irremediavelmente comprometidas. Os poucos prédios que abrigariam os novos cursos estão inconclusos, carcomidos pela ação do tempo, e até as placas que identificavam as obras tombaram. As salas de aula são insuficientes e os alunos de graduação e mestrado perambulam em busca de espaço e de carteiras. Os laboratórios para os muitos cursos que exigem formação prática ou não existem, ou estão sucateados, comprometendo a formação dos futuros profissionais. A Biblioteca Central é um grande salão vazio, esperando por livros e revistas científicas que nunca chegam. O acesso dos estudantes a computadores e internet é limitado pelo número insuficiente e por máquinas velhas e contaminadas, enquanto noventa computadores novos estão empilhados em suas caixas, aguardando a instalação. Insumos básicos como luz, água, telefone e internet são fornecidos alternadamente, faltando um quando outro funciona. O lixo é recolhido com parcimônia e o conteúdo dos sacos se espalha, agravando a sensação de sujeira generalizada. Nos banheiros, poucos para o aumento do público, os aparelhos sanitários danificados ou defeituosos não são reparados. Itens básicos da higiene pessoal, como sabão, papel toalha e higiênico simplesmente desapareceram e cada um deve carregar seu nécessaire de toilette, para evitar vexames diversos.
Quanto aos recursos humanos, a outra ponta da equação que faz funcionar o ensino, a pesquisa e a extensão em uma Universidade, a situação não é diferente. Faltam técnicos e professores em quantidade e qualidade compatíveis com o crescimento do número de alunos e cursos. O corpo técnico tem sido ampliado em doses homeopáticas. A contratação de professores diminui a cada semestre, e alguns cursos contam com dois ou três docentes da área para ministrar todas as disciplinas específicas. Com o agravante de que vários concursos para contratação de novos professores foram fraudados dentro da legalidade. Ou seja, os editais foram criteriosamente redigidos, as bancas de seleção rigorosamente montadas, as notas aos candidatos escrupulosamente calculadas, de modo a aprovar aqueles de interesse da casta dirigente. O efeito final, que seria cômico se não fosse trágico, foi a contratação de esposos e esposas, filhos e filhas, sobrinhos e sobrinhas, a demonstrar uma insuspeita transmissão genética da vocação pedagógica em famílias inteiras.
John Donne, poeta inglês do século XVII, nos ensinou que nenhum homem é uma ilha. Nenhuma instituição também existe ilhada do seu ambiente. Ao contrário, ela mimetiza o comportamento de setores da sociedade. Quando a corrupção e o nepotismo, as maracutaias e as falcatruas são praticadas impunemente pelos poderosos, mesmo o menor poder apodrece. Torna-se quase impossível resistir às tentações do uso dos dinheiros públicos para benefício pessoal. Entre passear na Europa com diárias e passagens pagas pelo contribuinte, ou se dedicar a resolver os problemas da Instituição, a escolha dos dirigentes é simples. Por que trocar Paris, Amsterdam, Sevilha, Madri, Porto e Lisboa por Ariquemes, Guajará-Mirim, Ji-paraná, Rolim de Moura, Cacoal e Vilhena, se nestas só existem problemas, enquanto naquelas somente o prazer. Os ganhos extras por manobras escusas terminam encorpando o salário e sustentando um padrão de vida que não condiz com a renda. Logo, os laranjas são convocados para assumir a propriedade de chácaras e fazendas, negócios e empreendimentos que devem ser mantidos longe dos olhos do fisco, pois trata-se de patrimônio ilegalmente adquirido.
O REUNI, gostam de dizer os cínicos, é o projeto que levou os pobres à Universidade. E depois os abandonou a própria sorte, completam os realistas. Ninguém discorda que o ensino universitário público e gratuito deve crescer, o que é diferente de inchar. Aumentar o número de vagas, sem oferecer aos estudantes a contrapartida de condições adequadas para um ensino de qualidade é sinal de patologia acadêmica, de populismo e demagogia.
O que se assiste hoje na UNIR é o que se pode chamar de ruínas do futuro, posto que a situação presente projetará sua sombra pelos próximos anos. Mesmo que as construções sejam concluídas, mesmo que os campi sejam urbanizados, que professores e técnicos sejam contratados, que a infra-estrutura funcione, ainda restará a tarefa imensa de reconstruir a credibilidade da Instituição, de injetar ânimo nas pessoas, de restabelecer o critério de mérito, de desmontar a cultura do patrimonialismo, de dar transparência à administração, de respeitar os Conselhos Superiores, de dialogar com a sociedade rondoniense de modo respeitoso.
A atual casta dirigente nada fará neste sentido, lutando apenas por suas prebendas. É urgente, portanto, que a pressão política interna e as instâncias de regulação e controle externos atuem para sanar as irregularidades, sanear a UNIR, afastar e punir os responsáveis. De preferência com a prisão dos que se locupletaram. Afinal, a Polícia Federal está de plantão na porta da UNIR Centro e basta subir um lance de escada.

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